domingo, 3 de janeiro de 2010

Serviço 0800 ajuda a identificar doenças raras

Médicos de todo o País recorrem à equipe da Unifesp para confirmar diagnósticos de erros do metabolismo

Alexandre Gonçalves

Com apenas dois anos, Matheus Almeida foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital do Servidor Estadual. Só conseguia respirar com a ajuda de aparelhos. Os antibióticos não venciam a infecção que debilitava seu pequeno corpo e os médicos eram incapazes de um diagnóstico.

Cansados de um esforço ineficaz, decidiram solicitar ajuda para uma equipe especializada em doenças que poucos conhecem, mesmo nas faculdades de Medicina. Ligaram para o 0800 do Instituto de Genética e Erros Inatos do Metabolismo (Igeim), ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

O telefone 0800 ajuda médicos do Brasil inteiro a diagnosticar erros inatos do metabolismo, distúrbios hereditários que afetam o funcionamento das células. "Mesmo nas melhores faculdades o assunto só é tratado de raspão", diz a geneticista e idealizadora do projeto, Ana Maria Martins, que também leciona na Unifesp. Como consequência, muitas pessoas em todo o País sofrem com um mal cuja causa permanece desconhecida. Há cerca de 550 erros inatos do metabolismo conhecidos. Existe tratamento para a metade deles. As doenças atingem um a cada 2,5 mil nascidos vivos.

Em menos de 24 horas, o pediatra Marco Silveira, do Igeim, contactou os médicos do Hospital do Servidor Estadual para colher mais informações sobre Matheus. Anotou tudo cuidadosamente.

Os dados alimentaram a discussão de uma junta multidisciplinar reunida ao redor de uma mesa coberta de tratados de medicina: os especialistas também dependem da bibliografia quando o tema são erros genéticos raros. O grupo decidiu sugerir um exame de sangue à equipe que cuidava de Matheus.

O exame demorou dez dias para ficar pronto. "Foram momentos de muita ansiedade, pois meu filho ficava cada vez pior", recorda a professora Cristina Moraes, mãe de Matheus.

O resultado confirmou as suspeitas do grupo do Igeim: Matheus tem mucopolissacaridose do tipo um (MPS-I). Cristina recorda como a geneticista Ana Maria Martins explicou a doença: "Imagine uma cozinha cheia de louça suja e sem água." O corpo de Matheus não produz uma enzima necessária para eliminar sobras do metabolismo.

Já existe um tratamento para a MPS-I: uma terapia baseada na reposição da enzima ausente. Não havia tempo a perder. Silveira e Ana Maria foram até a UTI do Hospital do Servidor Estadual e realizaram a primeira reposição enzimática com um remédio cedido pela Associação Paulista de Mucopolissacaridoses. Também orientaram a equipe de enfermagem do hospital que ainda não sabia como tratar a doença.

Após a segunda reposição, Matheus conseguiu respirar sozinho. Depois de um mês, voltou para casa. Ana Maria, fundadora do Igeim, mostra com orgulho o convite para o aniversário de três anos de Matheus.

AUXÍLIO

Com o atraso no diagnóstico, muitos erros inatos do metabolismo geram sequelas. A MPS, por exemplo, pode produzir complicações respiratórias graves, deformidade do crânio, infecções recorrentes, cegueira e hidrocefalia. Se diagnosticada precocemente, os danos diminuem muito.

Desde agosto do ano passado, quando o 0800 foi lançado, cerca de 200 pessoas já utilizaram o serviço, que é voltado especificamente para profissionais de saúde (mais informações nesta página). Em 18 ocasiões, confirmou-se o diagnóstico de um erro inato do metabolismo.

Quase 30% dos telefonemas diziam respeito a crianças de 1 a 6 anos e 84,5%, a meninos e meninas com menos de 10 anos. "A maior parte dos erros inatos são diagnosticados na infância", aponta Ana Maria.

DECISÕES

Silveira afirma ser um aprendiz entre os profissionais do instituto. Mas gosta muito do trabalho que realiza. Especializado em pediatria, manifestou tanto interesse pelo trabalho do Igeim que recebeu um convite de Ana Maria para auxiliá-la no 0800.

A geneticista considera importante ensinar os estudantes de Medicina a identificar os erros metabólicos na faculdade. "Há muitas pessoas em todo o País que são tratadas como portadoras de uma doença, mas, na realidade, possuem outra", afirma Ana Maria. "Também é importante a existência de serviços como o 0800 para ajudar os profissionais de saúde na tomada de decisões."

Cerca de 69,5% dos chamados vieram do Estado de São Paulo. Minas Gerais contribuiu com 11,5% da procura. Mas também houve contatos da região Nordeste (9%), Centro-oeste (4,5%), Sul (4%) e Norte (2,5%).

O estudante Anderson Costa Palheta, de 20 anos, tem MPS e veio de Belém (PA) para realizar uma cirurgia de glaucoma no Estado. Sua médica no Pará ligou para o 0800 e solicitou uma ajuda para realizar a reposição enzimática no Igeim enquanto Palheta estivesse em São Paulo.
(Fonte: O Estado de São Paulo, 03/01/2010)

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